Mudanças climáticas vão aprofundar divisão entre ricos e pobres na América Latina, prejudicar colheitas e afetar abastecimento, diz PNUD
A mudança do clima pode aprofundar a divisão entre ricos e pobres em toda América Latina e Caribe, ameaçando paralisar e reverter os avanços em saúde e educação dos mais vulneráveis, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2007/2008 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), divulgado hoje em Brasília.
Aproveitando o relatório-síntese do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) divulgado recentemente, o RDH 2007/2008 - Combater as Mudanças do Clima: Solidariedade humana em um mundo dividido, estabelece o caminho para as negociações em Bali para um acordo pós-Quioto, e destaca que existe uma oportunidade de reverter o quadro em 10 anos.
Se ela não for aproveitada, o aumento da temperatura global em mais de 2 graus Celsius poderá fazer com que 10% da superfície das Bahamas (no Caribe) seja coberta pelas águas; No México poderão ocorrer perdas de até 60% na produção do milho irrigado pelas chuvas, da qual dependem dois milhões de agricultores pobres; Além do desaparecimento das geleiras, responsáveis pelo fornecimento de 80% da água que abastece as cidades peruanas; e do aumento de casos de dengue em áreas da América Latina antes livres da doença, afirma o relatório.
“O orçamento de carbono do século 21 - a quantidade de carbono que pode ser absorvida partindo-se da probabilidade de que as temperaturas não subirão mais do que 2°C - está sendo estourado e ameaça se esgotar completamente em 2032”, afirma Kevin Watkins, Coordenador e principal autor do RDH. Segundo Watkins, “os pobres – os que possuem a pegada de carbono fraca, e ao mesmo tempo os mais desprovidos de meios de proteção – são as primeiras vítimas do estilo de vida rico em consumo de energia dos países desenvolvidos”.
Os países mais ricos têm uma responsabilidade histórica em assumir a liderança para equilibrar o orçamento de carbono, diz o relatório, que recomenda uma série de medidas: cortar as emissões em pelo menos 80% até 2050; investir anualmente um adicional de pelo menos U$ 86 bilhões em esforços de adaptação, a fim de proteger os mais pobres do mundo, apoiando a produção de biocombustíveis sem prejudicar os direitos dos pequenos agricultores ou populações indígenas; e apoiando os esforços para reduzir o desmatamento de florestas em países como o Brasil.
O relatório argumenta que, com o apoio de tais medidas e através de uma cooperação financeira internacional e tecnologia de baixo carbono, países em desenvolvimento também deveriam participar, cortando suas emissões em 20% até 2050.
ARMADILHAS E ESCOLHAS
“Sem contar com poupança, seguros ou acesso a empréstimos, os mais pobres cairão na chamada armadilha do desenvolvimento humano, sendo forçados a decidir entre mandar seus filhos à escola ou ao trabalho, ou racionar a comida a fim de economizar”, diz o administrador do PNUD, Kemal Dervis, que lançou o relatório em Brasília. “Estas escolhas irão reforçar e perpetuar, as desigualdades de renda, gênero, entre outras, na América Latina e Caribe”.
Em Honduras, o furacão Mitch destruiu mais de um terço dos bens dos 25% mais pobres da população, comparados com apenas 7% dos bens dos 25% mais ricos, diz o relatório. Na Nicarágua, a proporção de crianças trabalhando em vez de irem à escola aumentou entre 7,5% e 15,6% nas famílias afetadas pelo mesmo furacão. O relatório também cita pesquisa com famílias no México, no período 1998-2000, que mostrou um aumento no trabalho infantil como conseqüência das secas.
Estes exemplos ilustram como muitas das armadilhas de desenvolvimento humano induzidas pelo clima, na América Latina e no Caribe, são conseqüências de desastres naturais. Os autores reforçam que cada dólar investido para melhorar as ações de prevenção de desastres naturais em países em desenvolvimento poderia evitar sete dólares em perdas. Apesar da clara racionalidade econômica, o total investido em adaptação multilateralmente nos países em desenvolvimento chega hoje a US$ 26 milhões – em torno do que se gasta semanalmente no Reino Unido em barreiras de defesa contra inundações, diz o relatório.
O RDH 2007/2008 pede ao mundo desenvolvido para apoiar um novo investimento global de pelo menos US$86 bilhões anuais, ou 0,2% dos PIB dos países do norte em conjunto, em esforços de adaptação de infra-estrutura voltados para mudança do clima, que possam ajudar a ampliar a resistência dos pobres aos efeitos da mudança climática.
Aos governos latino-americanos, os autores pedem que fortaleçam investimentos em programas sociais como os de transferência de renda, de forma que a população fique menos vulnerável quando atingida pelos choques climáticos. O relatório cita o Bolsa Família brasileiro e o programa nicaragüense Rede de Proteção como exemplos positivos.
UM ESTILO DE VIDA PARA ”NOVE PLANETAS”
Cerca de 45 milhões de pessoas da América Latina e Caribe vivem sem acesso à eletricidade, metade delas na Bolívia, Haiti, Honduras, Nicarágua e Peru. Enquanto eles vivem no escuro, os países mais ricos estão aumentando as suas contas de luz. O relatório afirma que, se cada pessoa pobre do planeta levasse o mesmo estilo de vida de alto consumo de energia dos alemães ou ingleses, quatro planetas seriam necessários para absorver a poluição. A conta cresce para nove planetas quando a comparação é feita com um habitante médio dos Estados Unidos ou do Canadá.
Diante de tamanha desigualdade – tanto dentro dos países como entre países diferentes – os autores percebem que os cortes essenciais das emissões não prejudicariam os esforços de garantir acesso dos pobres à energia básica. E recomendam que os países desenvolvidos criem um fundo para financiar o incremento de investimentos em energia limpas nos países em desenvolvimento. O que lhes forneceria os meios de terem uma baixa emissão, sem impedir pobre o acesso de sua população mais pobre à energia elétrica.
BIOCOMBUSTÍVEIS E DESMATAMENTO
Já que a atividade que mais consome petróleo é o transporte individual, assim como a fonte de emissões de dióxido de carbono (CO2) que cresce mais rápido, tanto os países desenvolvidos, como os países em desenvolvimento deveriam utilizar diferentes combustíveis no setor de transporte a fim de se alinhar com os orçamentos de carbono, aponta o relatório. O Brasil oferece um dos exemplos mais bem sucedidos, com um terço de seu setor de transporte rodando com etanol de cana-de-açúcar, o mais limpo e barato biocombustível desenvolvido nas últimas décadas.
A redução do desmatamento é apontada pelos os autores como prioridade para assegurar que as emissões de CO2 possam ser suficientemente mitigadas. Entre os anos 2000 e 2005 houve uma perda anual média de 73 mil km² de florestas em todo o planeta – área equivalente à superfície do Chile. Cada hectare perdido amplia as emissões de gases que provocam o efeito estufa, afirma o relatório, que recomenda transferências financeiras de países desenvolvidos para os países em desenvolvimento que reduzirem voluntariamente suas emissões de gases, preservando suas florestas.
O CAMINHO PARA BALI
As recomendações do relatório sobre o combate às mudanças climáticas estabelecem uma lista para todos os líderes políticos que participarão do encontro de Bali, em dezembro – um mapa para um acordo pós-Quito que seja um acordo multilateral com força de lei, essencial to proteger o nosso planeta e as populações mais pobres dos piores impactos da mudança climática:
Corte das emissões dos países em desenvolvimento em 20% até 2050; dos países desenvolvidos em 30% até 2020 - e em pelo menos 80% até 2050, em relação aos níveis de 1990.
Criar um Fundo de Mitigação de Mudança do Clima (Climate Change Mitigation Facility -CCMF) para mobilizar de US$ 25 bi a US$ 50 bilhões anualmente para financiar o investimento em energias limpas (com baixas emissões de carbono) em países em desenvolvimento.
Alocar anualmente US$ 86 bilhões para adaptação, ou 0,2 % do PIB total dos países do hemisfério norte.
Dar um preço ao consumo de carbono, através da combinação de impostos de emissão, com esquemas mais ambiciosos de créditos de carbono.
Fortalecer padrões reguladores para adotar e reforçar a eficiência em emissões de carbono por veículos, prédios e aparelhos elétricos.
Apoiar o desenvolvimento de energias limpas (de baixa emissão de carbono), reconhecendo o potencial inexplorado para o aumento do uso de energias renováveis, além da necessidade de investimentos urgentes em tecnologias como a captura e armazenagem de carbono.
Colocar a adaptação como parte de todos os planos para reduzir a pobreza e a extrema desigualdade, inclusive em documentos de estratégia para a redução da pobreza
Reconhecer que florestas e terras virgens têm um papel importante no seqüestro de carbono (através da fotossíntese) e devem ser incluídas como parte essencial de um futuro acordo global; apoiar planos de transferência financeira internacional para evitar desmatamento, como defendido pelo Brasil e por outros países.
O relatório conclui que “uma das mais duras lições ensinadas pelas mudanças climáticas é que o modelo econômico que determina o crescimento e os níveis de consumo nos países mais ricos é ecologicamente insustentável”. Os autores afirmam, porém que “com as mudanças corretas, não é tarde para cortar as emissões de gases estufa para atingir níveis sustentáveis, sem sacrificar o crescimento econômico: o aumento da prosperidade e a segurança do clima não são objetivos conflitantes”.
http://www.pnud.org.br/meio_ambiente/reportagens/index.php?id01=2826&lay=mam
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